sábado, janeiro 28, 2006

 

Frans Krajcberg: a saga de um artista e a natureza

Pela quarta vez consecutiva visitamos Nova Viçosa, localizada no litoral do Extremo Sul da Bahia, na região próxima da divisa com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Situada entre o rio Peruípe e Oceano Atlântico, é maravilhosa, formada por ecossistemas derivados do que sobrou da Mata Atlântica, restingas, manguezais, ilhas oceânicas e recifes de coral.
Logo na entrada da cidade o Sítio Natura e Museu Ecológico Krajcberg chamam a nossa atenção. Ali mora um “gringo” como diz o povo, que em grande parte não simpatiza com Krajcberg. Talvez pelo seu temperamento exigente, que não combina muito com o do baiano. Mas, por um golpe de sorte conseguimos abrir caminho para uma entrevista, já que são poucos seus depoimentos a imprensa. Isto nos foi proporcionado pelo farmacêutico Célio, membro da Maçonaria e amigo pessoal do escultor e ambientalista. Depois de alguma conversa, nos encontramos a primeira vez com Frans Krajcberg no Sítio Natura, onde reside, no momento em que embarcava grandes esculturas encaixotadas para seu ateliê, em Paris. Marcamos uma entrevista exclusiva para o LavrasNews no dia seguinte, sábado, aos pés do gigantesco galho de pequi, com três metros de diâmetro e doze de altura, que trouxe da Amazônia e fincou na terra baiana, onde construiu no topo, sua casa. “Quando o transportei para cá, já tinha sessenta anos tombado no chão e agora mais trinta aqui ”, afirma Krajcberg, "Adquiri esta fatia de Mata Atlântica e ergui minha casa arbórea, de onde tenho uma visão perfeita do mar e do topo das arvores”.
Frans Krajcberg nasceu em Zozienice, na Polônia, em 1921 e estava na fronteira com a Alemanha quando iniciou a Segunda Guerra Mundial. Judeu, estudou na Alemanha (Stuttgart) e a família foi dizimada num campo de concentração. Nunca mais viu seu pai, sua mãe e quatro irmãos, cremados pelos nazistas. Mudou para o Brasil em 1948, graças ao pintor Marc Chagal que lhe comprou uma passagem de terceira classe para vir ao Brasil, tendo morado em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Bahia. Tornou-se amigo de Volpi e Segall entre outros artistas. Do Rio de Janeiro viajou para São Paulo num trem, como clandestino. Trabalhou na pintura de azulejos, em Monte Alegre, na Kablin, principalmente aqueles utilizados da Igreja de São Francisco, na Pampulha, em Belo Horizonte, nos painéis de Portinari. Acabou por naturalizar-se brasileiro. Aos 83 anos desfruta de uma jovialidade invejável.
Krajcberg não gosta de ser chamado artista. Na sua concepção é um ser humano fazendo alguma coisa, querendo mostrar sua revolta pela destruição promovida pelo homem. Veio para o Brasil por acaso. “Que fazer do Homem?”, se perguntava. “Ir para onde?”. Conhecia toda a Europa e nesta época se dedicava ao desenho e pintura. Aqui no Brasil fez as primeiras esculturas no Pico do Itabirito, em Minas Gerais. Junto com o poeta Carlos Drumonnd de Andrade lutou pela conservação do Pico, contra a ação devastadora da mineradora norte-americana Hanna. “Preservaram o topo do Pico do Itabirito e por baixo ele pode ser escavado”, critica Krajcberg. Aos poucos tomou gosto por um outro lado da vida, e coragem para continuar a viver.. “Nunca compreendi a guerra, a destruição “, diz Krajcberg. “Sou contra o racismo e a religião, pelas divisões que causam”. De partidos políticos nem se fala...
Na IV Bienal de São Paulo, em 1957, conquistou o prêmio de melhor pintor nacional e no Rio de Janeiro, também em 1957, o prêmio do Salão de Arte Moderna. Em Veneza, foi premiado na Bienal de 1964. Frans Krajcberg abandonou a pintura porque se intoxicou com as tintas. Árvores abandonadas foram as primeiras esculturas, em Itabirito e até hoje não abandonou os pigmentos mineiros.“Nesta época fazia peças muito românticas”, afirma Krajcberg. Foi quando então sentiu que precisava exprimir sua revolta, fazendo grandes viagens e fotografando os abusos. Andou o Brasil inteiro e se convenceu de que não existia país mais rico... A natureza lhe mostrou uma vida nova, minimizando os traumas trazidos da Europa e passou a trabalhar, fazendo esculturas com árvores queimadas em incêndios florestais. Como ambientalista fotografou as áreas devastadas e denunciou a destruição em fóruns internacionais. “Participei do Forum Global, 1990, Moscou 1992 e 1994 Kioto, cujas determinações os norte-americanos não aceitaram. Sou membro da Cruz Verde que tem Gorbachev, como presidente e Gore Vidal, como vice”, diz Krajcberg..
Com sua fala mansa Krajcberg pergunta, quem é o brasileiro. E ele mesmo responde que tudo tem a ver com a imigração, o caldeamento de raças, mas que é preciso lembrar que aqui já existia o índio. Para ele fala-se pouco desta raça e de sua cultura. “Estuda-se a importância do negro, mas esquece-se do índio. E como todo nós nasceram neste planeta e portando tem o direito de viver:”, afirma.
Para Frans Krajcberg o melhor escultor brasileiro é Franz Weissman, com quem dividiu um ateliê nas Laranjeiras, no Rio de Janeiro, em 1957. E não cessa sua luta, revoltado com a matança do ser humano. Critica o programa “Fome 0”, do Governo Federal, afirmando que a riqueza que os homens destroem serviria para dar comida a todos. “Poucos brasileiros conhecem este país. Não conhecem sua região. Um país rico, grande e muito problemático. Os planos e projetos são efetuados sem análises prévias. O ouro sai do país via contrabando. A madeira também.. Veja as riquezas que estão destruindo. Minas Gerais,Espírito Santo e Sul da Bahia tiveram uma floresta muito rica, a Mata Atlântica, que desapareceu em cinqüenta anos. Aqui mesmo, no Sul da Bahia, apenas duas madereiras capixabas acabaram com tudo.”
“Vejo o Movimento dos Sem Terra (MST) “, diz Krajcberg, “e sei que não querem terra, querem fazer política. Na verdade existe pouca terra para o homem e extensões enormes abandonadas. Nunca vi o Brasil tão violento como hoje e tão estranho politicamente. Não se deve esquecer que em trinta anos a população dobrou e não temos planejamento. Ë preciso planejar o crescimento da população. Primeiro, escola e cultura. Até hoje não ouvi o presidente Lula falar em cultura. O brasileiro precisa ter trabalho e viver com dignidade.”
Quando o escultor chegou a Nova Viçosa, em 1971, haviam três ruas e uma fábrica de compensados. Pretendia-se que fosse uma cidade diferente, uma cidade de cultura. Esta era a idéia de Zanini, celébre arquiteto carioca, que convenceu Oscar Niemeyer e Chico Buarque a adquirirem terrenos. Paradoxalmente, hoje um dos vizinhos de Krajcberg é Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais e dono do Sítio Alegria...
Profundamente revoltado Frans Krajcberg diz que a cultura na Bahia é só em Salvador e para turistas. Acostumado ao dialogo com Jack Lang, ex-ministro da Cultura da França, afirma que Gilberto Gil nunca cantou como está cantando e é o ministro que mais canta no mundo. Para ele há a necessidade de manter o estúdio na França, pois no Brasil não tem diálogo cultural. “Em Paris a prefeitura está erguendo o novo Espaço Krajcberg”, diz. “Aqui no Brasil o Museu Ecológico não tem apoio nem da Prefeitura, nem do Governo da Bahia. A continuar assim, somente com investimentos próprios, vou parar. Faltam cinco pavilhões para serem erguidos, em concreto, em forma de palhoça, a serem construídos, Tenho obras que recebi de presente de Bracher, Volpi e muitos outros artistas, que fazem parte de um acervo valioso. Não desejo verbas oficiais. Desejo apoio moral. Agora mesmo, Curitiba, no Paraná, criou o Espaço Krajcberg, no Espaço das Plantas e um ato foi assinado. A qualquer momento posso levar o museu para outra localidade que dê mais sustentação.. Criticam a minha postura aqui em Nova Viçosa, mas nunca ouvi falar uma escola pedir para visitar o Sítio Natura ou o Museu Ecológico. Participei de cinco filmes e nunca vi um jornalista bahiano aqui no museu. Passo pelo prefeito Manoelzinho do Madeira e ele nem me cumprimenta. E eu sei, mais do que ele, que a continuar como vai, Nova Viçosa não terá atrativos turísticos em quinze ou vinte anos.”
Olhando as árvores: “Queriam rasgar este pedaço de Mata Altlântica, fazendo uma avenida beira mar, sem sentido nenhum e eu fui obrigado a lutar contra isto. Neste pedaço de terra plantei três mil mudas nativas da Mata Atlântica. Perdi toda a minha família incinerada. Mas, eu nasci e tenho o direito de viver no mundo, neste país... É preciso saber que a continuarmos como vamos, a vida no futuro será um desastre! A minha arte decorre muito do momento em que olhando a natureza queimada, procuro vestígios dos rostos de minha mãe, meu pai e meus irmãos”.
“Frans Krajcberg faz parte desta raça de homens que são raros, automarginalizados, muito individualistas, mas também muito generosos na sua solidão. A vida foi rude para ele e as provas da última guerra o marcaram para sempre. A floresta brasileira foi ao mesmo tempo o meio, o teatro e o agente de uma verdadeira renovação humana – a redenção de Krajcberg pela arte”, afirma Pierre Restany, ao assinar o Manifesto do Alto Rio Negro, juntamente com Sepp Baendereck e Frans Krajcberg.

terça-feira, janeiro 17, 2006

 

Biografias

O vendaval de sem-vergonhice que assola a classe política e administrativa do País, com poucas exceções, de certa forma amplificado pela mídia, trouxe a baila à questão da biografia dos indivíduos envolvidos neste bafafá.
Na verdade são histórias pessoais de pretensos “Salvadores da Pátria”, gente que se perdeu no turbilhão da história.
Lembro-me bem das primeiras eleições mais ou menos livres, na época da Revolução, em que o uso da televisão foi limitado ao máximo, e fomos invadidos por uma enxurrada de fotos mal feitas e legendas, que muitas vezes diziam que o candidato tinha sido guerrilheiro no Vale do Ribeira, ou do Araguaia, pertencera a um sem número de grupos de esquerda, terroristas ou não, e quase sempre, teria sido líder estudantil.
Após o Golpe de 64 os líderes de classe foram chamados a uma Assembléia Geral da União Colegial Municipal de Lavras (UCML), no Clube, visando destituir a diretoria democraticamente eleita, através de um ato intervencionista. E quem comandaria tal ação? Um tal de Sérgio “Galocha” que apareceu do nada e finalmente sumiu nas brumas da história. Quem ela ele? De onde veio? Quais as suas pretensões? Ninguém nunca soube, nem mesmo a ala oposicionista da entidade.
Dizer que fulano de tal pertenceu a tal entidade, estudantil ou de classe, não passa muitas vezes, de um artifício para enganar os mais tolos.
Não digo aqui que sou mais santo do que meus semelhantes. Todos nós somos produtos do meio e do momento.
Certamente as milhares de biografias existentes devem ter erros gritantes, enaltecendo personalidades que passariam sem nenhum viço na História da Humanidade.
Anos atrás tomei conhecimento de um perfil jornalístico encomendado para enaltecer os méritos de um capitão da indústria paulista. Logo percebi que haviam feito um trabalho de limpeza nos episódios que vivera, dando realce a fatos de certa forma corriqueiros e jogando ao lixo aspectos importantes, como o péssimo pai de família em que se transformara e que alcançara sucesso passando por cima de um melhor tratamento de seus empregados.
O que dizer de políticos que naufragaram na maré nauseabunda do exercício ilimitado do autoritarismo, levando de roldão uma chusma de auxiliares, que a troco de vinténs aceitaram chafurdar neste meio fétido?
Não existe biografia definitiva. Nascemos e morremos todos os dias e, conseqüentemente podemos reescrever nossa história para o Bem ou para o Mal.
Acredite com reservas em quem lhe apresenta propostas mirabolantes. Lembre-se sempre que o passado passou, o futuro a Deus pertence e que vivemos o presente alegres e satisfeitos, como dizia o Padre Sérgio.
No mais, estamos preparados a escrever belas biografias de qualquer um de nós. Lembrando sempre que só nós mesmos somos capazes de saber a nossa verdadeira história de vida...

segunda-feira, janeiro 16, 2006

 

Sô feia mas tô na moda

Graça a Deus vi o poetinha Vinícius de Moraes várias vezes, em teatros, bares do Rio de Janeiro e mesmo em Lavras exibindo-se.
Hoje está sendo reconhecido não como poetinha e letrista da Bossa Nova mas como um poeta maior.
Vinícius de Moraes não era o protótipo do homem bonito. Baixinho, barrigudo, careca e com óculos tipo fundo de garrafa.
Pois é. Ele mesmo criou um dos versos mais preconceituosos da cultura brasileira: as muitas feias que me perdoem, mas beleza é fundamental.
Reconheçamos que ele dizia isto de uma forma doce e fazia disso um compromisso. Suas mulheres sempre foram lindas! E olha que não foram poucas...
O documentário Vinicius, que tem como protagonista o poeta e compositor já foi visto por 150 mil espectadores e mostra o quanto ele podia ser charmoso e amado pelo público.
É difícil saber o que nele atraía as mulheres. Seria a poesia? A fama de boêmio?
Mas foi preciso que décadas passassem para ficar claro o quanto de engano havia no verso.
Hoje reconhecemos que as feias foram perseguidas inutilmente e que sempre tiveram seu lugarzinho ao sol.
Como a história pessoal de Eustáquio, antigo chefe de estação da Rede Mineira de Viação.
Em suas andanças se apaixonou por uma moça de corpo lindo e belo rosto, a Adelaide.
Noivaram por longo tempo e depois se casaram em Baipendi, aos pés de Nhá Chica.
Foram felizes anos a fio e encheram de choros e risos de crianças uma casa na Rua da Fábrica.
Sem mais nem menos Eustáquio começou a ser corroído pelo bichinho malvado da desconfiança que Adelaide o estivesse traindo.
Procurou Cosme, um segurança da ferrovia que se prestou a fazer o serviço de dar um flagrante na desmiolada.
Estava trabalhando quando ele telefonou dizendo que Adelaide entrara com um homem em um hotel do centro da cidade.
Chegou esbaforido ao local e sem dar confiança ao porteiro foi abrindo porta por porta dos quartos.
Acabou achando os dois encarapitados em uma cama de casal, nus e tão enlevados que demoraram para perceber sua presença.
Abaixou o Colt que levava na mão, virou-lhes as costas e rumou para casa, a boca seca, ardendo.
Despachou a criançada para a casa de uma vizinha e sentou-se na sua cadeira de balanço.
Alta madrugada Adelaide bateu na porta, bêbada e com os sapatos de salto alto balançando na mão.
- Abre a porta, Eustáquio, seu corno manso! – ela gritou.
Levantou, passou a tranca na porta e pela janela do quarto que dava frente para a rua, atirou vestidos, blusas, calças e casacos.
Adelaide ficou caída nas pedras frias do calçamento implorando para entrar em casa.
Eustáquio não abriu a porta e ela acabou indo embora. Morreu de tuberculose galopante quando fazia a vida numa boate de Curitiba.
O chefe de estação se dedicou a criar as crianças até o dia que conheceu Marocas.
Ela vivia pra baixo e pra cima, com um terço na mão, puxando rezas em todas as casas.
Era uma mulher muita feia e desprovida de simpatia.
Ninguém sabe por que Eustáquio gostou do jeito dela, a cortejou e numa manhã fria de abril casaram-se diante do Juiz de Paz, a criançada perfilada, vestida com as melhores roupas e com cara de quem não está entendendo nada.
Ficaram juntos e tiveram muitos filhos.
A quem lhe perguntava por que aquela união dera tão certo, respondia sempre:
- E não havera de ser assim? Com uma mulher tão feia...

 

Novos amigos

Várias vezes tenho escrito sobre meu grande amigo Luís Carlos Frizo, que me envia todos o anos um cartão de Boas Festas, guarda com todo cuidado uma cópia do original do meu premiado conto Menkrire autografado e nem por isso temos um relacionamento estreito.
Outro dia fui a Poços de Caldas e depois de anos dei de cara com ele, de surpresa, na fila do caixa de um supermercado. Falamos pouco e prometemos nos encontrar em outra oportunidade.
Esta uma amizade de muitos anos. Mas existem aqueles “novos amigos” que segundo um político de longa data são muito perigosos.
Na sua opinião a crise política que assolou a Nação durante os últimos meses decorre destes aderentes de última hora que acabaram vitimando gregos e troianos.
“São pessoas para as quais a amizade serve apenas como trampolim de sua ambição desmedida”, ele me diz.
Seriam indivíduos que exploram o aspecto mais frágil do ser humano que é a vaidade.
Lembrei-me da história de C.A.M, 53 anos, um comerciante muito conhecido na comunidade.
Começou vendendo bugigangas junto com o pai pelas ruas da cidade, morando num bairro simples e andando com antigos e bons amigos.
Com o passar do tempo alugou uma pequena loja e se estabeleceu na rua do comércio.
Em pouco tempo seu negócio cresceu e se ampliou.
Logo apareceram “novos amigos” que o acompanhavam nas farras do botequim e com lindas mulheres.
Quanto mais aumentavam seus negócios mais “novos amigos” surgiam.
Começou a fazer seguidas viagens com eles e conhecer cidades distantes.
As férias eram agora sempre nas praias mais badaladas e acompanhado da turma...
Acabou arrumando um rabo de saia adolescente que em pouco tempo se tornou sua amante e foram viver num bairro distante, em uma bela casa especialmente comprada para ser seu ninho de amor...
Com ela fez uma viagem maravilhosa a Miami, sempre ao lado de “novos amigos”.
Pouco a pouco os negócios começaram a se complicar com os gerentes de banco a sua porta, forçando-o a procurar agiotas.
Foi vendendo terrenos, casas, na tentativa de se safar do sufoco.
Tudo inútil. Quando deu por si estava falido e os negócios encerrados.
Os “novos amigos” não apareciam mais e a amante o trocou por um bem sucedido dono de bar.
Voltou a morar com a legítima mulher e os dois filhos, que sempre lhe cobravam coisas que não podia explicar.
Em estado depressivo tentou exercer uma nova atividade e a única que conseguiu foi como vendedor de carnês, que abandonou em pouco tempo.
Passou a viver pelas ruas procurando os “novos amigos” que o renegavam e pedindo pequenos valores a pedreiros eletricistas e encanadores que haviam trabalhado com ele.
C.AM, que antes só bebia uísque top de linha passou a consumir cachaça de garrafão, da pior qualidade.
Acabou enforcando-se numa quinta-feira de sol radioso.
Nenhum “novo amigo” compareceu no seu sepultamento.Quem estava lá era sua turma antiga, do tempo de escola e das brincadeiras no bairro...

 

ANOS 50

Final de tarde convida ao relaxamento e resolvo assistir o programa Sem Censura, na TV MINAS.
Vejo então a entrevista do jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos, que está lançando o livro Em busca do borogodó perdido.
Quem assistiu as chanchadas da Atlântida deve-se lembrar do cômico Zé Trindade, mais feio do que notícia ruim, conquistando mulheres lindas justamente porque tinha borogodó.
Lembro-me que na eletrola Telefunken lá de casa eu ficava grudado no rádio sintonizado na Mayrink Veiga para assistir o Miss Campeonato, com a vedete Rose Rondeli, que era paquerada com o auxílio do mesmo decantado borogodó.
Mas o que era esse tal de borogodó?
Era um certo quê, indecifrável, um charme a mais que individualizava as pessoas, uma coisa meio sem sentido, que rotula os anos 50.
Mais do que a década de trinta, da ditadura de Getúlio Vargas até o governo do General Eurico Dutra, nada mais marcou profundamente um novo Brasil.
Foi quando surgiu a Bossa Nova, de Carlos Lyra, Tom Jobim, Vinícius de Moraes; a Seleção Canarinho de Pelé e Garrincha brilhou na Suécia; Adalgisa Colombo foi Miss Brasil, porque era bonita e gostosa; as certinhas do Lalau arrasaram com as beatas e Maria Esther Bueno apareceu como uma das maiores tenistas de todos tempos. O playboy Jorge Guinle conquistava todas as estrelas de Hollywood que apareciam por aqui no Carnaval. O traje exigido em qualquer brincadeira dançante era o terno. Difícil mesmo era ver os joelhos das mulheres...
JK assumiu o poder e com seu Plano de Metas começou a realizar o futuro por todos sonhado.
Por mais defeitos que o presidente tivesse, do Zé Povinho as elites todos se apaixonaram por ele.
De repente o país deixou de ser aquela coisa desenxabida que só aparecia em filmes de segunda categoria de Hollywood.
Ninguém se preocupava mais com Carmem Miranda, seus balangandãs e sua dança sem calcinhas ou com a polegada a mais de Martha Rocha.
De uma hora para outra ser brasileiro deixou de ser um fato vergonhoso e tornou-se o orgulho dos desesperados.
JK preocupava-se com energia elétrica, comunicações, rodovias modernas e pasmem, até mesmo com a construção de uma nova Capital Federal no Planalto Central.
Na casa do meu pai eu lia na revista semanal O CRUZEIRO, dos Diários Associados, o jornalista David Nasser desancar o presidente e sua equipe, sempre o chamando de ladrão. E tio Roberto Coimbra nos mostrava uma charge no CORREIO DA MANHÃ em que arqueólogos do futuro tentavam decifrar, no futuro, as ruínas de Brasília...
Nunca fiquei sabendo que JK processasse estes ou outros jornalistas..
Ele continuava viajando em modernos Constelations pelos céus do Brasil, tremendo pé-de- valsa e grande namorador que era.
Pouco importava que a inflação estourasse, afinal de contas poucos sabiam o que ela significava.
Oposição mesmo só da aguerrida UDN, de Carlos Lacerda...
Mas de que adiantava criticar o governo se a população adorava aquele presidente que trazia a indústria automobilística e a promessa de mais empregos?
Com ele, que tinha muito borogodó, o Brasil começava a trilhar o caminho da roça para a cidade...
E tudo ia as mil maravilhas, pois estávamos longe ainda da radicalização que marcaria as próximas décadas.
O poucos meses de Jânio Quadros no poder foram desastrosos.
Não houvesse o Golpe de 64 e com certeza o PSD daria um banho na UDN e elegeria JK novamente presidente da República.
Um homem que significou muito para o País e acabou morrendo de forma banal e misteriosa num desastre automobilístico na Rodovia Dutra.
O destino quis que o borogodó desaparecesse...
São histórias da vida.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?