terça-feira, fevereiro 14, 2006

 

Essa tal de cultura

Essa tal de cultura


Começo este texto com uma homenagem a Homero Faria, Alcione Lopes e Alcione Fassio, que teimam em trabalhar com cultura, na dramaturgia, em uma cidade absolutamente refratária a idéia.
Posso falar de teatro com um certo conhecimento, pois no distante ano de 1968, em Belo Horizonte, resolvi fazer as provas de admissão ao Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com muita ousadia representei uma longa cena de A Morte de Danton, de Georg Büchner. Acabei aprovado e dois meses depois de forma intempestiva abandonei o curso, mas acabei anos depois me apresentando com um grupo amador em Desgraças de uma criança, uma comédia de costumes de Martins Pena.
Conheci o teatro numa temporada familiar de férias no Rio de Janeiro assistindo My Fair Lady, com Bibi Ferreira e Paulo Autran. Mais tarde Liberdade,Liberdade, uma verdadeira trincheira contra o golpe militar, no Teatro Opinião, Arena Conta Zumbi e outras peças. O material que comprava naqueles tetros, discos e livros, trazia para casa e mostrava para meus amigos Luciano Carvalho, Tenório, Mozar Terra e Edilce Mesquita.
Recentemente o ator Paulo Autran disparou suas baterias contra o mundo da cultura brasileira oficial, hoje dominado pelo ministro Gilberto Gil. E novas críticas surgiram do poeta Ferreira Gullar e de Caetano Veloso com relação a inexistência de uma política de fomento a cultura que vise a melhor aplicação de recursos públicos.
Na minha opinião quem definiu melhor o momento que estamos vivendo foi o escultor Frans Krajcberg, logo no início deste governo. Acostumado ao dialogo com Jack Lang, ex-ministro da Cultura da França, afirmou que o Ministro Gilberto Gil nunca cantou como está cantando...
Para pensar cultura é bom sabermos que ela é o conjunto de atitudes e modos de agir, de costumes, de instituições e valores espirituais e materiais de um grupo social, de uma sociedade, de um povo. Ouse seja, por si própria ela nada tem a ver com a educação formal, dos bancos de escola. Em tese o melhor modelo de sua aplicação no mundo é o cubano, aberto a todos e sem mercantilismo.
Enquanto isso não é possível vivemos somente do passado. Pior do que tudo isto é o saudosismo. O que adianta ficarmos a todo o tempo lembrando que tivemos um belíssimo teatro? Ou agremiações artísticas que os jovens não conheceram? A verdade é os que tempos são outros e o mundo mudou muito,,,
Está aí, nas ruas, uma tal cultura alternativa que é definida como aquilo que foge dos padrões convencionais, que está fora da mídia e que pode ser chamada também de contracultura.
Basta viajar para constatar que a maior parte das cidades médias brasileiras não possui recursos para desenvolvimento de qualquer atividade cultural.
É preciso mais uma vez conceituar este assunto.Cultura não são apenas apresentações de música clássica, óperas e afins, como muitos julgam.
É o conjunto de valores da comunidade quaisquer que sejam.
Trás em si também mais poder revolucionário, no sentido de mudanças, que inúmeros coquetéis molotov e por isso é detestada pelas classes dominantes.
Se alguém sai a caminhar por onde vive e vai coletando coisas e dados que transforma em vivências isto é uma forma de fazer cultura.
Uma galinha ao molho pardo, arroz, angu e couve é uma importante participação cultural assim como um quadro pintado a óleo dependurado na parede...
Um mau exemplo de como tratam o assunto entre nós são estes programas sofisticados e coloridos que trazem ao interior grandes escritores visando aumentar o número de leitores, esquecendo de que é necessário implementar a produção literária. Quando um destes intelectuais famosos surge por aqui constato que a grande maioria do público que os prestigia é formado por alunos de literatura, obrigados a assinar um livro de presença a troco de créditos, importantes para sua graduação.
Nos Estados Unidos trezentos novos escritores são lançados por ano, fora os que são recusados pelas editoras. E no Brasil? A maior parte dos novos escritores pena por este deserto de idéias chamado mercado cultural...
Mais uma vez se constata que os administradores públicos gastam em setores desnecessários, porém, são incapazes de criar programas específicos que beneficiem os produtores locais, sejam escritores, músicos, cineastas, grupos de teatro, bandas e etc.
Falando em Homero Faria, que apresentou no final do ano o monólogo Pessoas, de Alcione Lopes, e Alcione Fassio, que vi trabalhando com um singelo teatro de marionetes, tenho para com eles os meus maiores débitos no ano que passou pois lhes prometi peças teatrais inéditas e acabei não cumprindo esta tarefa...

 

À flor da pele

Roberto passou os dedos pelos cabelos grisalhos enquanto saia da fábrica com outras centenas de operários. Já não tinha a mesma vitalidade de antes e depois de quinze anos trabalhando como operador de máquinas gostaria de parar. Quem sabe montar seu próprio negócio ou, em último caso, mudar para outra empresa.
Tinha tido uma insônia brava nas últimas semanas, mas nada que pudesse ser atribuído ao trabalho.Nem mesmo aos turnos malucos que atrapalhavam o biorritmo dos trabalhadores.Muitos companheiros não agüentavam o rojão e logo pediam as contas ou entravam em licença médica.
Mas Roberto sabia que sua falta de sono tinha outra motivação. Seu problema estava circunscrito a sua mulher Eloísa e uma das filhas, Clara. Sua mulher nascera em Queimados, na periferia do Rio de Janeiro e era cheia de idéias suburbanas. Adorava férias na praia, exibindo-se seminua em biquínis que dizia ser a última moda. As filhas herdaram este jeito meio doidivanas da mãe. Eram cinco garotas maravilhosas. Amava todas igualmente, mas a mais velha, Clara, era especial para ele.
Seu mundo caiu quando ouviu Clara afirmar, no meio do jantar, em alto e bom som que iria colocar um piercing no umbigo e fazer uma tatuagem na linha da cintura.
-Nunca!, gritou Roberto apavorado, pensando na mutilação que sofreria sua primogênita.
-Todas minhas colegas já fizeram isto!, afirmou aos brados Clara.
Roberto olhou para Eloísa, sua mulher, procurando apoio para seu posicionamento, mas ela parecia alheia a discussão.As outras garotas terminaram a refeição e preferiram esconder-se nos quartos já que não tinham participação direta naquele problema. O homem sentiu cada vez mais lhe faltar chão. Clara falava de forma torrencial sem dar-lhe tempo de imprimir a marca de sua autoridade.
Depois de ouvi-la viu que ela se levantava e saia da sala, dizendo que faria o planejara. Roberto olhou para o rosto de Eloísa e teve vontade de dar-lhe uns tabefes.Com um ridículo copo de suco na mão que tremia, ficou pensando o que era pior, piercings ou tatuagens. Quando era adolescente ouvia dizer que a tatuagem impedia que muitas pessoas passassem pelo exame médico admissional das grandes empresas. E que tal comportamento era próprio de prisioneiros e marinheiros. Reconhecia que atualmente via mulheres tatuadas por todos os cantos, no trabalho, nas ruas. Muitas mulheres tornavam-se até mesmo mais sensuais e quando passava por elas admirava aqueles desenhos localizados nos locais mais inusitados do corpo humano.
Sua maior lembrança, no entanto era de uma mulher bem mais velha do que ele, uma morena grandalhona, que andava numa camionete velha e que ele encontrara no antigo Posto Maurício.Ela tinha dentes de ouro, seios enormes e já naquela época carregava a suspeita de ter assassinado o amante, um turco dono de uma loja de tecidos.Foram para uma pensãozinha de terceira categoria próxima da Rodoviária e quando deitaram na cama e ela tirou a calcinha viu que tinha um coração flechado, tatuado na virilha. Impressionado com aquilo teve uma péssima performance. Nunca mais quis vê-la e acabou sabendo que ela também morrera de forma misteriosa.
“E se Clara se tatuasse primeiro na cintura e acabasse chegando a regiões mais intímas?”, pensava desesperado.
Dia seguinte foi a Biblioteca Pública e resolveu ler tudo que houvesse a respeito da tal tatoo... “O fato de tatuar o corpo pode significar o desejo de traduzir alguma coisa que a pessoa não sabe expressar em palavras, um desejo oculto”, leu o pobre e sofredor Roberto.
Foi para casa e deu de cara com a mulher Eloísa e a filha Clara. Ela tinha no umbigo um pequeno piercing. Levantou sua blusa top e viu uma borboleta tatuada em sua costa e até a achou bonita.Pensava o que ia dizer quando Eloísa chegou perto e ele viu um pequeno beija-flor tatuado acima de um dos seus fartos seios.
Saiu de casa batendo a porta, dirigiu-se em disparada ao botequim da esquina, tomou talagadas da branquinha e foi em direção à rua Chagas Dória.
Ao voltar trazia tatuada no peito esquerdo uma espada sarraceno...

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

 

Quadro a quadro

A notícia é breve: o cine Estação Paissandu, do Rio de Janeiro, foi interditado por fiscais da Prefeitura. A vistoria verificou que o estabelecimento funcionava sem o alvará de licença, além de comprovar outras cinco irregularidades. Ou seja, um verdadeiro Cine Poeira...
Não sei se o endereço deste cinema, na Rua Senador Vergueiro, coincide com o que conheci e que foi o templo do Cinema Novo, território livre de Glauber Rocha e sua turma. Um dos poucos cinemas brasileiros de arte.
No Cine Paissandu, sede do Festival de Cinema JB/Mesbla,em 1968, minha vida podia ter tomado outro rumo. Meu documentário São Thomé das Letras, em 16 mm era considerado o melhor, sério candidato ao prêmio de melhor na opinião de Afonso Beato, grande fotógrafo dos filmes cinemanovistas e de Geraldo Sarno, documentarista.
Este foi um ano terrível, o ano do AI-5, em que todas as bruxas andaram soltas! Doce Amargo, de André Luiz Oliveira foi premiado em primeiro lugar, não por que fosse o melhor, mas por ser o mais panfletário.
Assistir esta lúdica invenção dos irmãos Lumiére tinha sido uma constante na minha vida, desde que minha irmã Sueli me levava ao Festival Tom & Jerry, em Governador Valadares.
Em Lavras, enfrentei o Cine Municipal, que funcionava em um antigo e glamouroso teatro que despencava sobre nossas cabeças, para assistir na matinê de domingo a série do Fu Manchu. Depois foi o Cine Aparecida, o Ipê, o Brasil e o Rio Grande e muitos filmes que a gente nem sabia que eram de arte.
Em Beagá meu ponto obrigatório era na cabine especial do Cine Brasil, onde assistíamos os filmes e fazíamos a crítica para os jornais. Antônio Luciano, um baixinho bilionário, dono de todos os cinemas de Beagá, descia do seu escritório e entrava na pequena sala depois que as luzes se apagavam, sem cumprimentar a pequena platéia...
Foram centenas, milhares de filmes que assisti, dentre eles: Casablanca; 2001-Uma odisséia no espaço; Cidadão Kane; O sétimo selo; Encouraçado Potemkin; Juventude transviada;Luzes da ribalta; A malvada; Morangos Silvestres; Acossado; Deus e o Diabo na terra do Sol;Morte em Veneza; Blow-up; Tempos Modernos; O último selo e, Fellini Oito e Meio.
Estes são os que me vem à memória agora...Hoje o cinema foi sobrepujado pelo ato solitário de encadear idéias e colocá-las no computador, numa luta intestina contra o branco intenso da tela...Mas dou minhas escapadas para assistir um ou outro filme no Centerplex do Lavrashopping, porque se um dia vierem a fechá-lo por falta de público, não quero estar no rol dos culpados.
Foi assim que vi O jardineiro Fiel, de Fernando Meirelles, com Rachel Weisz, e Ralph Fiennes. Adaptado de um romance de John le Carré. Primeiro trabalho internacional de Fernando Meirelles. Um c... de miúra, como Mário Fiorani, classificava filmes que eram difíceis de engolir. Dormi no cinema, o saco de pipocas derramado na poltrona...
O outro foi o filme de Breno Silveira, Os 2 filhos de Francisco, que conta a trajetória de Zezé Di Camargo (Márcio Kieling) e Luciano (Thiago Mendonça) a partir do sonho de seu pai, Francisco Camargo (Ângelo Antônio). Muito bem feito. Pena que no final tenhamos que conviver com o canastrismo do verdadeiro Luciano...
Para terminar um show de entretenimento: King Kong. Escrito, dirigido e produzido por Peter Jackson, com Naomi Watts, um sensacional gorilão e muitas cenas de animação computadorizada!. Três horas de pura aventura, as cenas acontecendo sem que possamos respirar. Ótimo divertimento! O primeiro filme é de 1933 e Inicialmente era para ser intitulado Kong. Acrescentaram merecidamente o King e tornou-se um sucesso absoluto. Na verdade King Kong recria a fábula da Bela e a Fera que sobrevive no inconsciente coletivo... Hoje até poderia voltar a fazer cinema quadro a quadro mas sinto engulhos com a luta insana entre os homens da cultura oficial, com o Ministro Gilberto Gil à frente, que querem transformar tudo em pura indústria da diversão e líderes do movimento do cinema novo, como Luiz Carlos Barreto e Zelito Vianna. Rixas de subdesenvolvimento..
Doces ilusões da lanterna mágica....

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

 

Pobre Zé da Silva

Nosso personagem não é necessariamente um pé rapado, ganhando salário mínimo. Na verdade pode ser um operário qualificado, advogado, economista ou engenheiro.
A vida do Zé da Silva sempre foi atribulada.
Na década de sessenta conheceu um livreto intitulado Um dia na vida do Brasilino, de Paulo Guilherme Martins.
Lá aprendeu que no Brasil existia um desenfreado imperialismo econômico, principalmente norte-americano.
Por causa desta publicação que um amigo lhe deu, o Golpe de 1964 o prendeu e o jogou em um batalhão da Polícia Militar.
Mas, o tempo passou e depois da globalização não se falou mais sobre este assunto.
Vira e mexe recebia folhetos do sindicato que diziam que o Brasil tinha uma das piores qualidades de vida do mundo, má distribuição de renda e sem falar da pobreza endêmica...
Foi então que uma sucessão de fatos estranhos caiu sobre Zé da Silva e o pobre povo brasileiro.
No começo foi a tal crise política, com denúncias pipocando de todos os lados, da qual ele não entendia muito, mas de que tanto ouvir falar na televisão passou a considerar uma grande sacanagem.
Depois veio aquele presidente da Câmara dos Deputados que de tão orelhudo parecia um extraterrestre e que resolveu levar uma gorjetinha para casa.
Assustou-se, e muito, com o tal do referendo sobre a comercialização de armas. Não queria que as pessoas andassem armadas, mas também não concordava que lhe tirassem o direito de ter uma arma...
Ficou sentado, rezando para Santa Bárbara, pedindo que ela afastasse do Brasil aquele furacão que devastou uma cidade inteira nos Estados Unidos.
Foi então que veio a pior notícia.
Um juiz do Campeonato Brasileiro preso e confessando ter roubado o resultado de pelo menos onze jogos.
Desde criança ouvia falar que todo juiz era ladrão e no campeonato de bairros em cada jogada duvidosa xingavam a mãe de sua senhoria, o arbitro, e diziam que havia levado uma nota do adversário...
Sem falar nas histórias de homens que viajavam o Brasil de ponta a ponta levando malas cheias de dinheiro para fabricar resultados...
O que fazer? O único divertimento garantido no final de semana sobre suspeita?
Muitos entenderam que isto poderia mesmo ser uma forma de tirar a atenção sobre o assunto principal, que era mesmo a tal de crise política, mas o Zé da Silva nem pensou nisso preocupado mesmo com os problemas causados ao Campeonato Brasileiro.
Na verdade continuava cada dia ganhando menos, principalmente se seu salário fosse confrontado com as suas necessidades consumistas.
E os filhos andando para lá e para cá, sem destino, sem escola e sem emprego...
Mas tudo isto era um mal menor perto dos problemas do futebol...
Quando pensou que tudo de ruim já havia acontecido ficou sabendo que o leite das crianças e a carne de em vez em quando estavam ameaçados pela febre aftosa! Ninguém lhe disse que a doença não contagiava seres humanos e que o preço destes produtos tenderia a cair...
Mal informado Zé da Silva por pouco não se atira no Rio Grande, principalmente ao saber que o seu querido Clube Atlético Mineiro estava na tábua da beirada...

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